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  • Leonardo Miranda

AS FRAUDES NO PROCESSO CIVIL



O vocábulo fraude, na língua portuguesa, é utilizado para designar qualquer ardil, ou ato enganoso, de má-fé, cujo objetivo é lesar ou ludibriar outrem, ou para descumprir um dever ou obrigação. No direito, o sentido da palavra fraude é praticamente o mesmo, e aparece em diversas situações com na fraude à execução ou na fraude contra credores.[1]


É um ato de tamanha gravidade que constitui, também, ato atentatório à dignidade da justiça, conforme art. 774, I do Código de Processo Civil, além de ser tipificado como crime contra a administração da justiça, no art. 179 do Código Penal[v]. Isso ocorre, porque ela afeta diretamente a autoridade da jurisdição, eis que “havendo ação judicial em andamento, o interesse na manutenção do patrimônio do executado não é mais apenas do credor, mas também da jurisdição, cuja atividade atua sobre este conjunto de bens”.


Segundo o CNJ, por meio dado documento publicado chamado de “Justiça em números 2017”[2], a taxa de congestionamento, que mede o percentual de processos em tramitação que não baixou durante 2016, permanece alta, com percentual de 73%. Isso quer dizer que foram solucionados apenas 27% de todos os processos.


Muito disso ocorre pelo fato dos processo judiciais ficarem estagnados na fase satisfatória.


Ainda segundo o CNJ, em geral, o tempo médio do acervo (processos pendentes) é maior que o tempo da baixa, com poucos casos de inversão desse resultado. As maiores faixas de duração estão concentradas no tempo do processo pendente, em específico na fase de execução da Justiça Federal (8 anos e 1 mês) e da Justiça Estadual (6 anos e 2 meses).


Neste passo, o gráfico abaixo indica, cristalinamente, o tempo médio da petição inicial até a sentença nas fases de conhecimento e fase executória, no 1º grau, por Tribunal.



Verifica-se a desproporção entre os processos nas fases de conhecimento e execução. Quando um processo tem o início da execução ou da liquidação, caracteriza-se a baixa na fase de conhecimento, ao mesmo tempo que se inicia o cômputo do processo como um caso novo de execução. A baixa na execução, por sua vez, ocorre somente quando o jurisdicionado tem seu conflito totalmente solucionado perante a Justiça, por exemplo, quando os precatórios são pagos ou as dívidas liquidadas.[3]


Apesar da fase de conhecimento e executória ocorrer na mesma competência e grau, ou seja, com o mesmo número de servidores, equipamentos disponíveis e orçamento, os processos na última fase se tornam mais lentos.


Neste passo, mesmo com o CNJ não expressando isso em suas pesquisas e balanços sobre o judiciário, resta nítido que a morosidade na fase de execução está intimamente ligada às fraudes, sejam elas formais, informais, legais ou ilegais.


- FRAUDES EM ATITUDES LEGAIS


O executado, no processo civil, possui diversas atitudes legais para se esquivar do pagamento do montante devido. Cabe aqui destacar as práticas mais corriqueiras e com as chances de maiores sucesso.


Outras vezes, não se consegue sequer encontrar o executado. Em outras situações, o problema está na identificação de bens integrantes do seu patrimônio, uma vez que o executado passa a evitar manter dinheiro em instituições bancárias, tornando, com isso, inútil o uso do sistema “bacenjud”, que permite a penhora de dinheiro mantido em depósito ou em aplicações financeiras.


Dito isto, a atitude legal mais conhecida, praticada e até mesmo indicada pelos representantes dos executados é a manutenção das contas bancárias zeradas ou com valores irrisórios, realizando saques e transferências antes da penhora acontecer.


Isso se dá porque as partes conseguem acompanhar o processo como um todo e saber os detalhes da movimentação processual, inclusive os passos internos na secretaria da vara de justiça.


Um exemplo prático seria no caso das partes estarem litigando no juizado estadual, onde o trâmite processual se da por meio do sistema Projudi. O devedor é intimado para pagar um título executivo judicial, no prazo de 15 dias, sob pena de multa e penhora, com base no art. 523, § 1º e § 3º do CPC.


Ultrapassado o prazo apontado acima, o servidor encaminha os autos para o: “setor de penhora”, “setor do “bacenjud” ou “remetido autos para secretaria para Bacenjud/Renajud” aparecendo tal informação no andamento processual, de fácil visualização por ambas as partes, conforme imagem abaixo do processo judicial que corre por meio do sistema Projudi.

Por conta do baixo número de servidores e outros tantos obstáculos no judiciário, há uma grande janela de tempo entre a remessa dos autos para o setor de penhora e a efetiva penhora.


Dessa forma, o devedor facilmente terá a informação para qual momento deverá transferir ou sacar todos os valores contidos nos bancos, para cometer, legalmente, uma fraude a execução.


Outra atitude legal para que a execução se torne frustrada é a apresentação de recursos judiciais, tanto aqueles previstos em lei, quanto outros criados por operadores do direito.


O sistema recursal prevê multiplicidade jurisdicional. Ou seja, além da obrigatória e necessária observância do duplo grau de jurisdição, garantido constitucionalmente, há parcial superposição de jurisdição para os recursos dirigidos aos tribunais superiores, com os estreitos limites constitucionalmente fixados para tal.[4]


Essa superposição é explicada pelos juristas Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2008, p. 202) da seguinte forma: “Como órgão de superposição (nessa condição ao lado do Supremo), o STJ não diz rigorosamente a última palavra sobre todas as causas, mas a sua situação sobranceira às Justiças o qualifica como tal. Embora em situações diferentes, tanto quanto o Supremo ele julga causas que já hajam exaurido todas as instâncias das Justiças de que provêm [...] Como defensor da lei federal, compete-lhe julgar recursos interpostos contra decisões dos Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais, que contrariem ou neguem vigência a tratado ou lei federal (art. 105, inc. III, letra a). Como unificador da interpretação do direito, cabe-lhe rever as decisões que derem à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal (art. 105, inc. III, letra c).


Desse modo, o recurso meramente protelatório é um nítido abuso no direito de recorrer, que invade milhares de processos judiciais em curso, para que a execução se arraste durante anos até que o credor não tenha mais recursos financeiros e intelectual para satisfazer seu direito.


Quando esse direito de recorrer é exercido de forma abusiva, usa-se uma expressão comum no meio jurídico: diz-se que a parte exerce seu jus sperniandi. O falso latinismo alude ao espernear de uma criança inconformada com uma ordem dos pais. O termo, de uso por vezes criticado, é encontrado rara e indiretamente na jurisprudência do STJ.[5]


A injustificada resistência oposta pelos recorrentes ao andamento da ação de execução e sua insistência em lançar mão de recursos e incidentes processuais manifestamente inadmissíveis caracterizam a litigância de má-fé.[6]


Quando o assunto é litigância de má-fé, o Superior Tribunal de Justiça tem diversos entendimentos que delimitam as punições possíveis nos casos em que ocorre o abuso do direito de recorrer ou quando uma das partes do processo litiga intencionalmente com deslealdade.[7]


Por último, quando há desconsideração da personalidade jurídica do devedor, para que o credor possa buscar seu crédito por meio dos sócios da empresa, o CPC necessariamente determina que esses últimos sejam citados antes que seja realizada qualquer constrição em seus bens.


O objetivo do incidente de desconsideração da personalidade jurídica é de criar condições para que ao longo do processo sejam apuradas as razões pelas quais o direito material autoriza a responsabilização de pessoas naturais por atos praticados por pessoas jurídicas. Esse incidente é admitido também para hipóteses de querer colocar a responsabilidade para a pessoa jurídica por atos praticados pelas pessoas naturais que a controlam (BUENO, 2016).[8]


Portanto, as atitudes analisadas nesse tópico, apesar de serem legais, contribuem de forma contundente para que os processos, já em fase final, não tenham a solução esperada pelo vencedor, que no caso seria o pagamento do crédito devido pelo executado.


- FRAUDES EM ATITUDES ILEGAIS


Não é incomum que devedores busquem também formas ilegais para que se esquivem do obrigação de pagar quantia certa, como a alienação ou a oneração de bens após a citação da parte cuja a personalidade se pretende desconsiderar (art. 792, § 3º do CPC).


O problema nesse ponto é a parte credora ter acesso aos bens de maior valor já alieanos ou onerados, que na maioria do casos são imóveis, por conta da falta de troca de informação entre os cartório de registro de imóveis e a vara em que o processo está em fase executória.


Para se aprofundar mais nesse impasse, é importante lembrar que em diversos estados brasileiros, inclusive na Bahia, é necessário o pagamento de uma taxa judicial para cada cartório de imóvel buscar bens no CPF do devedor.


Considerando que somente na capital baiana há 7 cartórios de imóveis, resta inviável a uma pessoa média arcar com os custos para realizar uma busca cartorária por imóveis no CPF do devedor por todo território nacional.


Dessa forma, há uma grande facilidade do devedor acobertar bens antes mesmo que o credor tenha notícias dos mesmos.


Por outro lado, há quem defenda que tal modo de fraude à execução deve ser reconhecida somente após uma análise mais rígida dos fatos.


Em março de 2009, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 375, com o seguinte teor: "Reconhecimento Fraude à Execução — Registro de Penhora — Prova de Má-Fé do Terceiro Adquirente. O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da de má-fé do terceiro adquirente". De acordo com o entendimento nela expresso, a fraude à execução somente se configurará com a ocorrência de um destes dois fatos: a) registro da penhora do bem alienado; ou b) má-fé por parte do terceiro adquirente.[9]


Porém, deve-se enfatizar, a posição hipossuficiente do credor nas execuções, que na grande maioria das vezes, sequer tem condições de diligenciar quanto ao patrimônio do devedor, capaz de garantir seu crédito, antes que se inicie a execução. Assim, seria, no mínimo absurdo, que antes mesmo que o devedor delapidasse seu patrimônio, obstando o processo de execução, o credor se acautelasse a ponto de averbar a penhora, perante ao cartório imobiliário, prevendo uma "possível fraude à execução", sem prova cabal do fato.[10]


Ademais, em pesquisa empírica realizada com base em mais de 130 precedentes do STJ, já se apurou que a atribuição do ônus ao credor faz com que a fraude seja reconhecida em menos de 8% dos casos (cf. Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo, A Relevância do Elemento Subjetivo na Fraude de Execução, Tese (Doutorado), Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2010,pp. 220 e ss.).[11]


Ou seja, tal constatação da pesquisa empírica supramencionada da uma pequena ideia do tamanho da dificuldade do credor ter seu direito garantido, por meio das normas e posicionamentos do tribunais superior atuais.

[1] SALES, Fernando Augusto. Fraude à Execução, necessidade de registro da penhora no registro de imóveis e má-fé do terceiro adquirente do bem imóvel. Novembro de 2018. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/70371/fraude-a-execucao-necessidade-de-registro-da-penhora-no-registro-de-imoveis-e-ma-fe-do-terceiro-adquirente-do-bem-imovel>. Acesso em: 16 de dezembro de 2019; [2] LÚCIA, Carmem. Justiça em Números 2017 Ano Base 2016. Dezembro de 2017. Disponível em: < https://www.cnj.jus.br/wpcontent/uploads/conteudo/arquivo/2017/12/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf > Acesso em 17 de dezembro de 2019; [3] ANDREADE, Paula. Julgamento dos Processos Mais Antigos Reduz Tempo Médio do Acervo. 28 de Agosto de 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/julgamento-dos-processos-mais-antigos-reduz-tempo-medio-do-acervo/. Acesso em: 17 de dezembro de 2019; [4] FREITAS, Arystóbulo de Oliveira. A Falácia do Excesso de Recursos. 30 de abril de 2019. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI301256,101048-A+falacia+do+excesso+de+recursos> Acesso em: 17 de dezembro de 2019; [5] JUNIOR, Gaio. STJ – Recursos Protelatórios e o Abuso do Direito de Recorrer. Disponível em: < https://www.gaiojr.adv.br/noticias/stj__recursos_protelatorios_e_abuso_do_direito_de_recorrer_>. Acessado em 17 de dezembro de 2019; [6] Superior Tribunal de Justiça. Jus sperniandi: quando o inconformismo natural se torna abuso de direito de recorrer. Dezembro de 2014. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/112358771/jus-sperniandi-quando-o-inconformismo-natural-se-torna-abuso-do-direito-de-recorrer. Acesso em 08 de janeiro de 2020; [7] Revista Consultor Jurídico. Jurisprudência do STJ delimita punições por litigância de má-fé. 20 de maio de 2019. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2019-mai-20/jurisprudencia-stj-delimita-punicoes-litigancia-ma-fe. Acesso em: 08 de janeiro de 2020; [8] DE MESQUITA, Francisca Jamile Pinto. O Incidente da Desconsideração da Personalidade Jurídica do Novo CPC. Junho de 2018. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/67278/o-incidente-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica-do-novo-cpc>. Acessado em 17 de dezembro de 2019; [9] Revista Consultor Jurídico. Jurisprudência sobre fraude à execução trabalhista ainda não é pacifica. 22 de abril de 2015. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2015-abr-22/jurisprudencia-fraude-execucao-trabalhista-nao-pacifica>. Acesso em 08 de janeiro de 2020; [10] Revista Consultor Jurídico. Jurisprudência sobre fraude à execução trabalhista ainda não é pacifica. 22 de abril de 2015. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2015-abr-22/jurisprudencia-fraude-execucao-trabalhista-nao-pacifica>. Acesso em 08 de janeiro de 2020; [11] NOLASCO, Rita Dias. Fraude à execução no novo CPC. 05 de agosto de 2014. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI205374,81042-Fraude+a+execucao+no+novo+CPC>. Acesso em 08 de janeiro de 2020;

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