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  • Leonardo Miranda

Forum Shopping e Forum Non Conveniens viloam o princípio do juiz natural?

Atualizado: 5 de out. de 2020

Até a década de 1990, podiam-se enumerar, sem grande dificuldade, todas as cortes e os tribunais internacionais então existentes. No entanto, após o fim da Guerra Fria, o número de órgãos jurisdicionais aumentou de forma exponencial, o que acarretou a sobreposição de jurisdições e da concorrência entre os diferentes fóruns. O aumento do número de tribunais internacionais, a emergência da jurisdição “automática” e o crescente acesso aos meios jurisdicionais de solução de controvérsias pelos atores privados transnacionais propiciaram o contexto ideal para a proliferação das estratégias de forum shopping (SALLES, 2014, p. 18). 1- FORUM SHOPPING


O forum shopping é um termo utilizado, ao menos, desde a década de 20 do século passado (1), e pode ser definido como a possibilidade de escolha da competência nos casos em que ela seja concorrente, em que há alguma espécie de vantagem estratégica para o autor. Inúmeros fatores podem ser levados em conta para a escolha, tais como a conveniência, os custos financeiros, o conhecimento de que, em determinado local, as indenizações são fixadas em patamar mais elevado, a duração do processo, dentre quais outras particularidades que levem a alguma vantagem para a parte (2). Em outras palavras, a doutrina chama a diversidade de foros competentes de "concorrência de foros", dentre os quais a parte pode eleger aquele que lhe for mais conveniente, no exercício do que se convencionou chamar de "forum shopping" Já Camargo (2015), entende que forum shopping foi a nomenclatura utilizada pelos juristas do common law para definir a escolha, dentre várias jurisdições passíveis de serem exercitadas, como sendo aquela de preferência do demandante, levando-se em conta as mais diversas premissas (3). Todavia, há autores que fazem duras críticas ao novo entendimento do CPC, no que tange ao fórum shopping, como é o caso de Solano Camargo. Com base em sua tese de mestrado sobre o tema, tal doutrinador, por meio do livro Forum Shopping: a escolha da jurisdição mais favorável (Intelecto Editora), discorre sobre o forum shopping e indica casos em que o instituto pode ser considerado abusivo. Segundo Camargo, a doutrina brasileira não tem explorado o fenômeno do forum shopping no Direito Civil, como nos países da União Europeia e do Mercosul. "O Direito Processual Civil brasileiro ignora o forum shopping abusivo no direito internacional, havendo diversas situações em que sentenças estrangeiras proferidas em outros países não deveriam ser reconhecidas no Brasil e vice-versa (4). As normas de competência relativa do código de processo civil não são recomendações. Tratam-se das alternativas ali delimitadas pelo legislador que a parte deve seguir, como o domicílio do réu, a sede da empresa ré, o local do acidente etc. Não justifica ingressar em juízo aleatório sob a justificativa da incompetência relativa. Ou seja, grande parte da doutrina considerada que, a prática do denominado fórum shopping é abusiva e ofende a boa-fé, indo de encontro com a ética processual. Sobre esse assunto, escreve Fredie Didier Junior: “(...) É certo que vige no direito processual o princípio da boa-fé, que torna ilícito o abuso do direito. Também é certo que o devido processo legal impõe um processo adequado, que, dentre outros atributos, é aquele que se desenvolve perante um juízo adequadamente competente. A exigência de uma competência adequada é um dos corolários dos princípios do devido processo legal, da adequação e da boa -fé. Pode-se inclusive falar em um princípio da competência adequada. A questão que se apresenta, pois, é a seguinte: de que modo esses princípios incidem no forum shopping, para impedir o abuso do demandante na escolha de um foro que, embora em tese competente, se revele no caso como uma técnica de dificultar a defesa do demandando ou impedir o bom prosseguimento do processo, sem que disso o autor possa auferir qualquer espécie de justa vantagem (5)? Ou seja, o aspecto negativo vinculado ao termo forum shopping decorre da rotineira má-fé conectada ao uso das estratégias de escolher um fórum em particular, de litigar de forma paralela e de litigar de forma seriada. Por outro lado, segundo Luiz Eduardo Salles (2014), as normas procedimentais podem contribuir para evitar a proliferação de estratégias de forum shopping, na medida em que são capazes de estabelecer regras e normas que regulamentarão o relacionamento entre as partes litigantes, o relacionamento entre o tribunal escolhido e cada uma das partes e o relacionamento entre os diferentes tribunais internacionais. Para tanto, Salles afirma que essas normas devem buscar: delimitar o âmbito de atuação da corte que julgará a controvérsia, de modo a garantir o exercício de sua autoridade; garantir o acesso das partes de um tratado e/ou acordo ao judiciário, caso seja necessário; garantir que as partes disporão dos mesmos recursos para suas defesas, ou seja, a equidade de instrumentos aos litigantes, garantindo justiça e equilíbrio de meios de defesa às partes; estabelecer o mínimo de coordenação entre os diferentes fóruns internacionais, de modo a produzir uma efetiva divisão de trabalho entre esses órgãos (SALLES, 2014, p. 30-31). Araújo (2011) defende que o processo civil internacional está informado com princípios de caráter geral que influenciam na análise de competência internacional e dão equilíbrio a prática do fórum shopping. A mesma autora cita Eduardo Vescovi que identifica cinco princípios básicos desta seara jurídica, sendo eles: a jurisdição razoável; o acesso à justiça; a não-discriminação do litigante; a cooperação interjurisdicional; e circulação internacional das decisões estrangeiras (6).

2 - FORUM NON CONVENIENS

Para equilibrar ainda mais os abusos do fórum shopping, a doutrina enxergou a prática do forum non conveniens que traz a conceituação como sendo o não conhecimento pelo julgador da ação, ainda que naturalmente competente, sob o fundamento de haver um foro mais conveniente para a instrução processual que não aquele (7). Fredie Didier Jr., indica que, essa doutrina, surgida na Escócia, serve como freio jurisprudencial a escolhas abusivas, garantindo a efetividade dos princípios da boa-fé e do devido processo legal (8). Aprofundando tal tema, o forum non conveniens é a possibilidade do controle da competência quando o foro escolhido é um juízo inconveniente ou inadequado, buscando a escolha de um foro neutro, sem que uma das partes seja excessivamente prejudicada. Trata-se, então, de um limitador do forum shopping. A lógica é a de que, em abstrato, existe mais de um foro competente, mas, por algum motivo, desenvolvido por cada ordenamento jurídico, aquele escolhido não é o adequado (9). Há, na sua utilização, certa discricionariedade do Poder Judiciário em aceitar ou rejeitar a demanda, o que seria um dos motivos para sua não admissão no civil law.10 Esses países, em geral, optam por um sistema de competências mais rígido e se limitam a se utilizar de soluções envolvendo a litispendência quando surge o problema de litigância paralela em diversos foros. Ignora-se a doutrina do forum non conveniens para resolver o problema de outra maneira (11). A doutrina do forum non conveniens tem por base a permissão de que, mesmo sendo garantido pela lei uma determinada escolha do litigante, o juiz teria discricionariedade para recusar o processamento da demanda. É nítida aqui uma aposta no controle judicial das competências previstas abstratamente para que se possa buscar uma solução melhor para o caso concreto, o que é exatamente uma das maiores críticas a essa doutrina (12). Outrossim, para dar ainda mais força ao forum non conveniens, o Regulamento 1215/12 do Conselho Europeu dita a competência judiciária, o reconhecimento e a execução de decisões em matéria civil e comercial. Nesse mesmo passo, o Código de Bustamante, de 20 de Fevereiro de 1928, Havana, Cuba, promulgado pelo Decreto nº 18.871, de 13 de Agosto de 1929 também reforma a mesma teoria. Tal código foi surgiu para normatizar relações quase que exclusivamente privadas ou subjetivas, destinadas a pacificação das relações entre Estados ou para regular o comércio internacional. Hoje precisa ser repensado diante dos desafios globais surgidos no final do século passado e com consequências que serão profundamente sentidas ao longo de todo o século XXI. Outras normas mais conhecidas, como a lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, e Código de Processo Civil também caminharam nos mesmos trilhos. A exemplo disso, O Código de Processo Civil – CPC prevê nos arts. 21 a 23 os limites da competência internacional. A competência absoluta da autoridade judiciária brasileira, com o afastamento de qualquer outra autoridade, encontra-se no art. 23, já a competência concorrente entre a autoridade judiciária brasileira e estrangeira encontra-se no rol dos arts. 21 e 22. Ainda neste passo, ma análise do ponto mínimo para conhecimento de dada ação por Estado estrangeiro e o posterior reconhecimento da sentença estrangeira em território nacional, o Superior Tribunal de Justiça, como autoridade central a título de reconhecimento de decisões estrangeiras, deve se ater ao rol do art. 23 do CPC, pois a competência exclusiva não permitirá o reconhecimento de eventuais sentenças no território nacional. Nesta seara o novo CPC em seu art. 24 reconhece a litispendência internacional quando houver tratados ou acordos neste sentido, o que será um avanço para o desenvolvimento da ciência processual internacional, pois se evitará várias decisões de diversos países eventualmente podendo ser homologadas em outro país que não seja nenhum dos prolatores. Voltando mais especificamente a discussão acerca do forum non conveniens e entrando no direito comparado, são mencionados doutrinariamente duas espécies de interesse: a) interesses privados, eis que a escolha do fórum é relacionada com as expectativas do autor e igualmente com a verificação dos custos envolvidos em cada demanda13; b) interesses públicos, havendo certa dificuldade na admissão do interesse do país em analisar aquelas causa e a verificação dos gastos envolvidos. Do ponto de vista do Judiciário, a Suprema Corte Americana admite tal espécie de argumentos, mas o judiciário Inglês e o Australiano não (14). Há alguns argumentos que, embora sejam mencionados nas discussões, não parecem ser legítimos para se admitir a utilização do forum non conveniens: a) congestionamento do judiciário, eis que não se justifica tal espécie de interesse público (15) e, além disso, pensando no caso de variabilidade do direito com o reconhecimento da incompetência, não seria adequado alterar os direitos das partes devido a argumentos de congestionamento do judiciário (16); b) proteção dos litigantes domésticos em detrimento de autores estrangeiros, face a tendência de garantir, em maior quantidade de casos, a permanência do litigante nacional e não do estrangeiro, sob o argumento de que haveria abuso do litigante estrangeiro, pois seria mais fácil litigar nos EUA (17); c) a avaliação do direito material, que, além de impertinente com a doutrina, é bastante impraticável (18). Parte da doutrina afirma que argumentos de interesse público seriam inadmissíveis, pois não se deve verificar o interesse do Estado em atuar sobre aquele caso. Apenas seriam admissíveis argumentos de justiça e efetividade do ponto de vista dos interesses das partes. No direito brasileiro, ao contrário do que se verifica no common law, a competência é distribuída de forma rígida e prévia pelo direito positivo, não cabendo, em tese, nenhuma margem para um controle concreto de sua adequação. A violação das regras de competência fixadas abstratamente seria vista como uma espécie de violação do juiz natural, que é uma garantia das partes. Isso significa que, no Brasil, se a legislação prevê competências concorrentes, o autor poderia escolher livremente perante qual juízo demandará. Não haveria qualquer limitação a esse direito, ao contrário do que ocorre no common law. Ao juiz competiria apenas verificar, em abstrato, se é competente, sem qualquer margem de discricionariedade. O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de abordar a admissibilidade dessa doutrina, recusando-a nas duas oportunidades. Aministra Nancy Andrighi argumentou no sentido de que, embora não se tenha feito menção à doutrina do forum non conveniens na decisão do tribunal local, teria sido esse o seu fundamento para a extinção do processo. No entanto, embora tenha reconhecido a existência de tal doutrina, não haveria fundamento legal para sua admissão no processo civil brasileiro, eis que, no caso da competência concorrente não há litispendência e igualmente que, para que a sentença estrangeira tenha eficácia no Brasil, haveria necessidade de homologação pelo STJ. O tribunal local, ao extinguir o processo, teria usurpado a competência do STJ, permitindo, mesmo antes de transitado em julgado o pedido de homologação, a eficácia da sentença estrangeira no Brasil. Em 2016, no recurso especial 1.633.275/SC o STJ voltou a abordar o tema. No caso, duas empresas litigavam acerca do cumprimento de um contrato e foi ajuizada ação no Brasil, alegando a ré que o foro mais adequado para processar a demanda seria o da Argentina. Havia cláusula de eleição de foro, escolhendo o foro do Brasil como uma das possibilidades, sendo ainda aplicável as disposições do Protocolo de Buenos Aires.


3 - CONCLUSÃO SOBRE A VIOLAÇÃO OU NÃO DO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL Dessa forma, a linha é tênue quando se questiona se o fórum shopping viola o princípio do juízo natural, uma vez que, se forem considerados os critérios para a determinação de um foro competente a nacionalidade, a existência de bens ou negócios do réu no território do foro, tal manobra não violará os princípios jurídicos. Por outro lado, a jurisprudência tem o entendimento majoritário conservador, onde afasta tal manobra do direito brasileiro, como bem citado no presente texto.


Outrossim, o forum non conveniens se torna uma espécie de ferramenta para equilibrar os abusos do fórum shopping, sendo aplicado em diversos países ao redor do mundo, como bem mencionado nos parágrafos anteriores, onde o entendimento é no sentido de que não haveria violação do principio do juiz natural se observado os interesses privados e públicos, o congestionamento do judiciário, a proteção dos litigantes e a avaliação do direito material.

Por último, deve ser afastado o entendimento majoritário da jurisprudência nacional de violação do princípio do juiz natural, vez que tratados internacionais assinados pelo Brasil, bem como normas nacionais dão ensejo a aplicação do fórum non conveniens.


Referências Bibliográficas:


(1) - JUENGER, Friedrich K. Forum shopping, domestic and international. Tulane Law Review, v. 63, 1989, p. 553;


(2) - MALOY, Richard. Forum shopping? What's wrong with that? 24 QLR 25, 2005-2006, p. 27;


(3) - CAMARGO, 2015, p. 20;


(4) - Advogado analisa forum shopping e aponta quando a prática é abusiva. Revista Consultor Jurídico, 3 de abril de 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-abr-03/advogado-analisa-forum-shopping-aponta- quando-pratica-abusiva >. Acesso em: 15 de outubro de 2019;


(5) - BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Processo 1000548-97.2018.8.26.0027 - Procedimento Comum - Indenização por Dano Moral. Apelante: Danilo Pinheiro. Apelada: Transporte Alvorada e Logística Ltda. - Me. Relator: Juiz GUILHERME AUGUSTO DE OLIVEIRA BARNA. Iacanga, São Paulo, 18 de outubro de 2018. Publicação Extraída da página 5 do Diário de Justiça do Estado de São Paulo - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II;


(6) - ARAÚJO, 2011, p.226;


(7) - DE SOUZA, Iurii Ricardo Guimarães, Forum Shopping E Forum Non-Conveniens Aplicação No Processo Do Trabalho Brasileiro: Uma Visão Geral Do Judiciário Brasileiro. Revista Direito UNIFACS, agosto de 2018;


(8) - Didier Jr, Fredie. Curso de Direito Processual Civil, v. 1, Juspodivm, 2013, p. 153;


(9) - PEIXOTO, Ravi. O forum non conveniens e o processo brasileiro: limites e possibilidade. P. 05;


(10) - JUENGER, Frederich K. Forum non conveniens – who needs it? TARUFFO, Michele (coord). Abuse of procedural rights: comparative standards of procedural fairness. The Hague/London/Boston: Kluwer Law International, 1998, p. 366; PICARDI, Nicola. Il giudice naturale - principio fondamentale a livello europeo. DIDIER JR., Fredie (org). Teoria do processo - panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2010, v. 2, p. 672-673;


(11) - BRAND, Ronald A. Comparative forum non conveniens and the Hague Convention on Jurisdiction and judgments... cit., p. 468; BRAND, Ronald. Challenges to forum non conveniens. International Law and Politics, v. 45, 2013, p. 1.004;


(12) - ZHENJIE, Hu. Forum non conveniens: an unjustified doctrine. Cit., p. 155;


(13) - PETSCHE, Markus. A critique of the doctrine of forum non conveniens.., p. 9;


(14) - Idem, ibidem, p. 9;


(15) - Idem, ibidem, p. 14;


(16) - GRAY, Anthony. Forum non conveniens in Australia: a comparative analysis... cit., p. 235-236;


(17) - PETSCHE, Markus. A critique of the doctrine of forum non conveniens.., cit., p. 17. 18 Idem, ibidem, p. 19;


(18) - Idem, ibidem, p. 19.





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